12 de nov. de 2009

Conversa de homem para homem

O pai chegou em casa com ar sisudo e começou aquele papo manjado:
“Filho, precisamos ter uma conversa de homem para homem”.
“Neste caso, pai”, disse o menino, “não é melhor esperar eu crescer um pouquinho?”.
“Não. Tem que ser hoje, agora, já”.
“Ta bem. Mas posso saber o que é que está pegando?”.
“Como assim, pegando?”.
“Onde foi que deu zebra?”.
“No seu boletim”.
“Demorou”.
“Como?”.
“Algo errado com o boletim?”.
“Tudo. Não viu as notas?”.
“O boletim veio endereçado a você, pai. É feio violar correspondência alheia”.
“Mas as notas são suas. Baixíssimas”.
“Olhando por que critérios?”.
“Do razoável, meu filho. Do bom senso, da coerência acadêmica, das exigências mercadológicas”.
“Não tem nenhuma dessas cadeiras lá no meu colégio”.
“Não seja debochado”.
“Não esquenta, pai”.
“Não esquenta, o quê?”.
“A cuca, a mufa, os neurônios”.
“Vou tirar você do colégio”.
“Sábias palavras”.
“Vou arrumar um emprego para você. Oitos horas por dia, de segunda a sábado”.
“Sujou”.
“Onde você quer trabalhar?”.
“Câmara dos Deputados, Senado Federal, um ministério qualquer. Um lugar onde eu possa estar sempre metido em falcatruas”.
“Nem pense nisto, pelo menos enquanto eu for vivo!”.
“Ta vendo que existem coisas piores?
Relaxa, velho. Assina o boletim”.

Conto de Luís Pimentel. (cabelos molhados)

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