5 de nov. de 2009

Uma crônica de Cezar Dias do livro “Tubarão com a faca nas costas”, literatura para todos.

Gestos

O menor gesto que fazemos pode influenciar no andamento do universo. E não falo somente de gestos humanitários, como dar carinho a uma criança, comida a um faminto ou teto a um desabrigado. Falo de qualquer gesto, o mais banal. Quem afasta, por exemplo, uma mecha do cabelo caída sobre os olhos pode arrebatar um coração, deixar quem está indo a rumo certo sem norte e sem sul.
Pensei nisso depois que um amigo me contou uma história. Andava ele pela Rua da Praia, numa tarde de folga. Dava alguns passos e entrava numa livraria, avançava mais um pouco e parava em frente a uma vitrine. Estando assim, sem muito que fazer, olhou para um corpo de uma mulher, mais especificamente para o decote de um vestido primaveril. A mulher, que não estava só, notou; o companheiro, que não era bobo, também; e meu camarada, que sabe não se importar, seguiu adiante, parando em frente a vitrines, entrando em livrarias, até chegar ao bar onde nos encontramos e me deixar a par do assunto.
Passadas duas ou três cervejas e umas boas risadas, começamos a imaginar o que teria acontecido à moça, dona do decote.
O namorado pode ter largado a mão dela e dito que todo mundo estava olhando, que ele não gostava que ela usasse aquele vestido, parecia uma vagabunda. Ela pode tê-lo chamado de idiota, o que ele estava pensando, vagabunda não! Cada um pode ter seguido seu caminho. Eles, que iam para o mesmo, para a casa dele fazer amor. Agora, talvez, nunca mais.
Outro desfecho é possível. O rapaz segurou firme a mão da namorada e a trouxe para mais perto de si; ela deu um olhar malicioso – ou lânguido – para ele, dobraram na Borges, entraram num táxi e foram a casa dele; tiraram a roupa, beijaram-se na boca e deram ao flerte de meu amigo uma utilidade melhor: fizeram amor como nunca.
Tudo hipóteses. De qualquer maneira ninguém fica indiferente a um gesto. E assim o mundo segue e dar voltas, sem que isso tenha nada a ver com os movimentos de rotação e translação.

Gosto dessa crônica, como diz o Cezar “ninguém fica indiferente a um gesto”, por mais simples que seja.

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